Fim das cotas raciais em SC: entidades questionam constitucionalidade de lei aprovada por deputados
Alesc aprova projeto de lei pelo fim das cotas raciais em universidade do Estado Deputados estaduais de Santa Catarina aprovaram um projeto de lei que extingue ...
Alesc aprova projeto de lei pelo fim das cotas raciais em universidade do Estado Deputados estaduais de Santa Catarina aprovaram um projeto de lei que extingue as cotas raciais na universidade estadual e instituições de ensino que recebem dinheiro do governo. Desde antes da apreciação na Assembleia Legislativa, na quarta-feira (10), a proposta foi alvo de questionamento sobre a constitucionalidade da medida, que ainda precisa da sanção do governador Jorginho Mello (PL). Entidades como o Ministério Público e a Defensoria Pública questionam a validade da medida, assim como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), principal afetada caso a legislação seja validada. ✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp Alesc aprova pacotão com mais de 60 projetos de lei; veja quais Governador de SC questiona cota para alunos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em universidade estadual A última sessão do ano na Assembleia Legislativa também foi marcada pela aprovação de um pacote com mais de 60 projetos, incluindo aumento de gratificação para parte dos parlamentares, criação de novos cargos e autorização para instalação de câmeras dentro das salas de aula (entenda mais sobre as propostas). ⚖️O que diz a lei? Universidades que descumprirem a lei poderão pagar multa de R$ 100 mil por edital e perder verbas públicas. O texto proíbe a reserva de vagas com base em critérios raciais. Continuam permitidas cotas para pessoas com deficiência, estudantes de escolas públicas e critérios econômicos. O fim das cotas raciais deve atingir estudantes da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), instituições do sistema Acafe (Associação Catarinense das Fundações Educacionais) e faculdades privadas que recebem bolsas do programa Universidade Gratuita e do Fundo de Apoio à Educação Superior (Fumdesc). A medida não afeta universidades federais, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nem institutos federais. Deputados aprovam nesta quarta (10) mais 20 projetos de lei do Poder Executivo Alesc/Divugação ➡️ Veja abaixo como se manifestaram entidades, parlamentares e alunos e especialistas sobre a medida: Udesc Em nota, a gestão da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) se pronunciou manifestando "profunda preocupação e discordância". A Udesc ainda diz que "está avaliando o texto aprovado e verificando os impactos nos processos em andamento na universidade, caso seja sancionado pelo governador" e que "se coloca à disposição para compartilhar dados, experiências e evidências que sustentam a importância das ações afirmativas como mecanismos legítimos de combate às desigualdades e promoção da inclusão". "Há relevantes fundamentos que podem indicar a inconstitucionalidade da proposta aprovada na Alesc diante da legislação federal vigente, como a Lei nº 12.711/2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu expressamente a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa com critérios étnico-raciais", diz trecho da nota. UFSC, IFC, IFSC, UFFS Entidades de ensino federais manifestaram repúdio ao Projeto de Lei nº 753/2025. Em nota compartilhada nas redes sociais, elas informaram que a medida é considerada um retrocesso por especialistas e movimentos sociais, pois pode ampliar desigualdades e limitar o acesso de grupos historicamente excluídos à universidade. "Sua sanção significaria institucionalizar um retrocesso histórico, reafirmando desigualdades inaceitáveis e negando a milhares de jovens o direito a uma educação superior inclusiva e plural. Reafirmamos nosso compromisso com a luta contra o preconceito e a discriminação e seguiremos defendendo políticas de inclusão e equidade racial, pilares indispensáveis para o futuro democrático do país. Não aceitaremos retrocessos", disse trecho da nota. Deputado Fabiano da Luz (PT) O deputado Fabiano da Luz criticou a aprovação do projeto e afirmou que a proposta “envergonha Santa Catarina”. Ele informou que o projeto será alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) por violar princípios constitucionais, invadir competência da União e representar retrocesso social. Para o parlamentar, a universidade pública deve refletir diversidade e justiça social, o que considera um dever do Estado. Ele também criticou a meritocracia. “Cotas não são privilégios, são instrumentos para corrigir desigualdades históricas. Não começamos do mesmo lugar e não temos as mesmas oportunidades. Não existe mérito onde não existem condições iguais de partida", afirmou. Deputada Paulinha (Podemos) A deputada Paulinha criticou duramente o projeto, afirmando que a medida representa um retrocesso e ignora a realidade da população negra. Ela pediu que os colegas deixem de lado disputas ideológicas e pensem nas pessoas: “Parem um pouquinho de pensar em esquerda e direita e pensem nas pessoas.” Para a parlamentar, o sistema de cotas, criado em 2012, é fruto de uma luta histórica contra a invisibilidade e ainda se faz necessário. Ela destacou que homens e mulheres negras não têm as mesmas oportunidades e que negar isso é desonroso. “Olhem à volta de vocês. Quantos homens e mulheres pretas estão nesse plenário? Se ignorarmos o acesso à universidade, eles nunca estarão aqui. Pretos só estão chegando às universidades porque a lei de cotas existe", concluiu. Deputado Alex Brasil (PL) Alex Brasil (PL), autor do projeto, defendeu a proposta afirmando que as universidades estaduais estavam “deturpando” o sistema de cotas, criando vagas para grupos diversos, como refugiados e ex-presidiários, e até para pessoas de fora de Santa Catarina. Segundo Alex, o objetivo é valorizar "quem realmente precisa", com base na condição social e econômica, e não por critérios de raça ou identidade. “O catarinense estava sendo obrigado a pagar bolsa para quem não é do estado. Nós não estamos aqui para dizer se é porque é a cor ou a opção sexual. Estamos dizendo que, se a pessoa tem precariedade social e econômica, ela precisa ser atendida pelo Estado", disse. O deputado concluiu que a proposta busca ajudar quem precisa e evitar que “grupos de interesse militantes” tirem vagas de quem tem mérito e dedicação. Jamille Lima - estudante cotista da UFSC Jamille Lima, estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), contou que só conseguiu cursar bacharelado, mestrado e doutorado graças às cotas. Ela explicou que seus pais não sabem ler e nunca imaginou entrar na universidade. Segundo Jamille, as ações afirmativas mudaram não apenas sua trajetória, mas também a da família. Depois que ela ingressou no ensino superior, sua irmã e sobrinha também seguiram o mesmo caminho. “Foi como se a vida dissesse: ponto de virada, tudo começa aqui. Cotas não transformaram só a minha vida, mas fizeram todos perceber que era possível mudar nossa história”, disse. Rodrigo Wöhlke- advogado constitucionalista e mestre em direito O advogado constitucionalista defende que a Constituição busca garantir uma igualdade material, o que torna a política de cotas constitucional. Ele explica que, embora o Estado de Santa Catarina tenha autonomia, é possível que a norma estadual seja considerada inconstitucional futuramente, pois fere tanto a ideia de igualdade prevista na Constituição catarinense quanto no texto constitucional federal. Wöhlke lembra que a própria lei prevê revisão a cada dez anos, caso os índices de desigualdade sejam alterados. "Isso foi feito em 2022/2023. E esses dados foram impressionantes porque mostram que a política deu muito certo porque houve de fato a inclusão das pessoas negras, mas insuficiente diante da realidade, por isso ela foi renovada por mais 10 anos", concluiu. Joana Célia dos Passos - professora e vice-reitora da UFSC A professora e vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, explica que as cotas são uma política pública voltada não só para reparar desigualdades sociais, sejam elas raciais, relacionadas a deficiência ou gênero, mas também para tornar as instituições tão diversas quanto a sociedade brasileira. Segundo Joana, essas medidas são fundamentais não apenas para reparar desigualdades, mas também para tornar as instituições tão diversas quanto a sociedade brasileira. "Você chega em uma assembleia legislativa e você vê onde estão as pessoas negras, certamente servindo café, trabalhando nos serviços gerais da assembleia e na UFSC não é diferente. O que altera isso na universidade é que estes mesmos que servem podem estar nas vagas estudando em uma universidade pública de qualidade", concluiu. Ministério Público de SC "A 40ª Promotoria de Justiça da Capital, que integra o Observatório para Enfrentamento ao Racismo, está acompanhando a tramitação do projeto. Com esse resultado, irá instaurar procedimento para analisar a constitucionalidade por meio de consulta ao Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON)". Defensoria Pública "O tema é sensível do ponto de vista jurídico e social, pois envolve diretamente objetivos previstos na Constituição Federal, como a construção de uma sociedade mais justa e a redução das desigualdades. Por isso, assuntos dessa natureza precisam de análise cuidadosa, respeito ao processo legislativo e garantia de segurança jurídica. No momento, o projeto ainda depende da decisão do governador sobre sanção ou veto e, portanto, ainda não passou a valer como lei. Assim, não é possível fazer conclusões definitivas sobre seu conteúdo ou sobre eventuais efeitos jurídicos antes do término do processo legislativo. A Defensoria Pública seguirá acompanhando a tramitação do projeto, mantendo o compromisso com a legalidade, com o respeito ao processo legislativo e com a proteção dos direitos fundamentais, sempre com responsabilidade e alinhada à sua missão constitucional". VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias