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Cotas raciais são constitucionais e têm eficácia comprovada, defendem especialistas

Alesc aprova projeto de lei pelo fim das cotas raciais em universidade do Estado A decisão da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) de proibir cotas...

Cotas raciais são constitucionais e têm eficácia comprovada, defendem especialistas
Cotas raciais são constitucionais e têm eficácia comprovada, defendem especialistas (Foto: Reprodução)

Alesc aprova projeto de lei pelo fim das cotas raciais em universidade do Estado A decisão da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) de proibir cotas raciais em universidades públicas do Estado trouxe à tona um debate antigo sobre o tema. Apesar disso, especialistas ouvidos pelo g1 acreditam que a proibição não tem apelo legal para se manter. Essa não é a primeira vez que as cotas raciais em âmbito estadual são antagonizadas em projetos de lei. Em 2019, um PL muito semelhante ao de SC foi protocolado na Alerj pelo deputado estadual Rodrigo Amorim (União Brasil-RJ). O projeto, considerado controverso, gerou ampla repercussão e foi recusado pela Casa. A ação afirmativa também foi alvo de partidos de direita e extrema direita durante a revisão da Lei de Cotas, em 2023. Criada em 2012, a política tinha sua primeira revisão prevista para dali a 10 anos, mas o Congresso decidiu não analisar o tema em ano eleitoral e a revisão ocorreu em 2023. Na ocasião, 24 senadores pediram a extinção das cotas raciais, mas a emenda foi rejeitada. Para Delton Felipe, pesquisador visitante e coordenador do Programa de Diversidade da Escola Direito da FGV-SP, o movimento que acontece agora tem as mesmas motivações. Há um discurso que defende que as cotas raciais são inconstitucionais e ilegais. Os defensores dessa ideia argumentam que somente as cotas sociais, que consideram o aspecto de renda, são suficientes para a defesa da igualdade no ensino superior. O que não é verdade, já que há desigualdade social e racial no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive, já julgou esse mérito. Nesta reportagem, você poderá conferir o histórico da Lei de Cotas, o funcionamento das cotas raciais e o que especialistas dizem sobre a proibição do recorte racial na política de inclusão. Com Lei de Cotas, mais pretos, pobres, indígenas e jovens de baixa renda optaram pelo ensino médio público Getty Images O surgimento da Lei de Cotas Antes da criação da Lei de Cotas, diversas instituições públicas de ensino superior implementaram políticas de reserva de vagas para pessoas negras. As primeiras foram a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em 2003. No ano seguinte, a Universidade de Brasília (UnB) se tornou a primeira instituição federal a reservar parte de suas vagas para estudantes negros. Depois disso, iniciativas como essa se popularizaram nas instituições de ensino superior. Até 2012, das 96 universidades estaduais e federais então existentes, 70 tinham algum programa de inclusão no processo seletivo. A adoção em massa da política deu origem a um debate sobre se as reservas de vagas por recorte racial eram justas, legais e constitucionais. O tema chegou a ser julgado pelo STF em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, para avaliar se a reserva de vagas para pessoas negras feria o princípio da igualdade descrito na Constituição Federal. A ADPF 186 foi votada em 2012 e a decisão unânime dos ministros foi de que a iniciativa era constitucional. No mesmo ano, foi sancionada a Lei de Cotas, que garantia a reserva de 50% das vagas em instituições federais para alunos oriundos de escolas públicas. Parte dessas vagas eram direcionadas para alunos pardos, pretos e indígenas. Como funcionam as cotas raciais A versão de 2012 da Lei de Cotas já previa que metade das vagas das universidades e instituições federais seriam reservadas para alunos de escolas públicas de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Na redação da lei, pretos, pardos e indígenas formavam uma subcota dentro do grupo de ex-alunos da rede pública. Na revisão da lei em 2023, os estudantes quilombolas foram incluídos nesse grupo. Câmara inclui estudantes quilombolas como beneficiários da Lei de Cotas em universidades Jornal Nacional Outra mudança estabelecida na revisão foi a seguinte: os cotistas primeiro disputariam as vagas gerais, destinadas a todos os estudantes. Se não conseguirem a vaga na chamada ampla concorrência, usariam as notas que tiraram para disputar as vagas previstas nas cotas. O critério socioeconômico também mudou em 2023. A renda per capita passou de até de um salário mínimo e meio para até um salário mínimo. Além disso, a política de cotas foi ampliada também para a pós-graduação. Acesso, permanência e sucesso Especialistas defendem que as cotas raciais são tão importantes atualmente quanto eram em 2003 e em 2012, e, portanto, devem permanecer existindo. “Uma das características jurídicas e sociológicas da ação afirmativa é elas serem temporárias. No entanto, para que sejam temporárias, elas têm que causar um impacto social em diversas áreas”, explica Delton Felipe. Segundo ele, para que isso aconteça, a diversidade racial não deve ser garantida apenas para ingresso no ensino superior, mas também em outros aspectos do contexto social. Não é só a chegada dessas pessoas [alunos negros] nas universidades, mas a chegada delas em todos os cursos, e se desdobrando na chegada delas em outros espaços, como professores, mas também como médicos, juízes e engenheiros. O antropólogo e diretor do Observatório da Branquitude, Thales Vieira, concorda com a relevância da manutenção das cotas raciais. “Há um grande lastro de evidências produzidas por universidades, por diferentes governos, em diferentes tempos, sobre a eficácia da política de cotas no Brasil, naquilo que é seu mérito, que é reduzir as desigualdades sociorraciais no acesso à educação, sobretudo a educação superior no país”, diz. Por isso, os especialistas defendem que não se trata de garantir apenas do acesso, mas também a permanência e o sucesso dos profissionais negros. “É garantir o acesso ao ensino superior, mas viabilizar também que ele permaneça no curso e se forme. E, depois, tenha sucesso, como a perspectiva de fazer um concurso para juiz, se quiser. É isso que vai garantir a igualdade plena que a Constituição promete”, defende Delton. Cotas raciais são necessárias Um levantamento de 2023 do governo federal mostrou que o número de ingressos na educação superior federal por meio de ações afirmativas aumentou 167% em dez anos. O critério étnico-racial era o segundo mais utilizado, atrás apenas dos oriundos de escolas públicas. Já dados do Censo de 2022, divulgados no início deste ano, revelaram as parcelas de população preta e parda de 25 anos ou mais com ensino superior completo quintuplicaram no Brasil em 22 anos. Em 2000, a parcela de brancos com ensino superior era quase o quíntuplo da parcela de negros (pretos e pardos). 22 anos depois, a diferença diminuiu consideravelmente, mas ainda é grande: brancos com ensino superior são mais que o dobro de pretos e pardos. Entre os indígenas de 25 anos ou mais, apenas 8,6% possuíam superior completo em 2022. Para os especialistas, a manutenção da Lei de Cotas e a ampliação de ações afirmativas são fundamentais para promover a igualdade constitucional. "As cotas que levam em consideração aspectos raciais são legais e têm eficiência e eficácia naquilo que se propõem e produzem efetivamente uma redução de desigualdade. Portanto, não há fundamentação que se sustente nem juridicamente e nem do ponto de vista avaliativo de políticas públicas que apontem para uma direção em que as cotas raciais precisem acabar em qualquer lugar do país, sobretudo no estado mais branco do país", conclui Thales Vieira.